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Caso Elias: morte completa 7 dias com família amedrontada

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|  Foto: Foto: Marcelo Tavares
Moradores colocaram cartazes cobrando justiça próximo de onde o caso aconteceu. Foto: Marcelo Tavares

Tensão, medo e silêncio. Essas três palavras vêm resumindo o sentimento de familiares e amigos de Elias de Lima Oliveira, de 24 anos, que vivem sob o luto de uma vida ceifada pela violência que atinge o estado do Rio e cobram por justiça a respeito da morte do entregador ocorrida durante uma ação policial no último dia 24, no Morro do Palácio, no Ingá, Zona Sul de Niterói.

Uma semana após a morte do niteroiense, uma última testemunha, que teria presenciado o momento em que Elias foi atingido, será a responsável por finalizar o processo de coleta de depoimentos em oitiva prevista para acontecer na próxima sexta-feira (3), na sede da Divisão de Homicídios de de Niterói, Itaboraí e São Gonçalo (DHNISG), no Centro de Niterói.

De acordo com informações coletadas pelos agentes da especializada, essa última testemunha a ser ouvida presenciou toda a ação policial e não possui qualquer parentesco ou amizade com a vítima. Segundo os policiais, o depoente, que não teve a identidade e gênero revelados, estava passando pelo local no momento da ação policial e presenciou o momento em que a vítima foi alvejada. Elias chegou a ser socorrido e levado para o Hospital Estadual Azevedo Lima (Heal), no Fonseca, mas não resistiu aos ferimentos e foi a óbito.

Os civis classificam o depoimento como imprescindível para o processo investigativo, que já colheu oitivas de várias testemunhas, entre familiares, amigos, policiais militares e anônimos que presenciaram o fato. Entre as pessoas que já foram ouvidas pelos agentes estão a esposa, duas irmãs e um vizinho da vítima.

Ameaças

Um fato que chamou atenção durante a coleta de depoimentos foi a desistência de alguns familiares, incluindo o irmão da própria vítima, que afirmaram sentirem medo diante de possíveis represálias de policiais militares. Além do irmão, a mãe de Elias, que passou mal após saber da notícia da morte de seu filho, no último dia 24 de novembro, também declinou em prestar depoimento depois de se sentir ameaçada por policiais militares do Batalhão de Niterói (12°BPM). Outros familiares da vítima também preferiram não prestar depoimento com medo de represálias.

Poucas horas após o ocorrido, Leonardo Lima de Oliveira, o irmão da vítima, afirmou, na sede do Instituto Médico Legal (IML) do Barreto, em Niterói, que a sua família estava sendo ameaçada após a morte do entregador. Segundo ele, os policiais entraram na localidade com uma viatura descaracterizada e estavam em busca de pegar o “arrego” - dinheiro fornecido por traficantes em troca de regalias com a Polícia Militar - quando se depararam com o entregador por aplicativo, que saía para trabalhar e afirmou: “eu sou morador, eu sou morador”.

“Não dá pra aceitar que a segurança pública tire a nossa segurança. Chega a ser contraditório. Quem recebe verba pública para nos defender está nos matando. E são vários os relatos que dizem a mesma coisa. Será que todos nós estamos errados? Eles entraram ontem [semana passada] para pegar o arrego e a única coisa que levaram foi o meu irmão morto. Inadmissível e inaceitável”, disse o irmão da vítima.

Inquérito

Um dia após a ação policial que terminou com a morte de Elias, o Batalhão de Niterói (12°BPM) instaurou um Inquérito Policial Militar (IPM) para investigar a conduta dos policiais militares. Todos os agentes envolvidos na ação foram afastados de forma preventiva pelo comandante da unidade, tenente-coronel Marcelo Carmo, até que a investigação seja concluída.

Indagado sobre a acusação de familiares da vítima, o comandante da unidade afirmou desconhecer a utilização de carros descaracterizados na ação policial, assim como a suposta cobrança financeira de militares sobre o tráfico de drogas.

“Já instaurei o inquérito policial pertinente e tudo será apurado em sede deste procedimento. Determinei o afastamento de forma preventiva dos policiais envolvidos até que tudo seja esclarecido”, disse o comandante.

Pressão

Uma semana após a morte do trabalhador, autoridades defensoras dos Direitos Humanos em Niterói cobraram por celeridade durante o procedimento investigativo e cobraram por justiça no caso que acabou com a morte do entregador, deixando uma filha de apenas um ano de idade.

O secretário da Secretaria de Direitos Humanos de Niterói, Raphael Costa, afirmou que a pasta vem auxiliando a família desde o dia da ação policial e acompanha de perto as investigações que buscam identificar as circunstâncias dos disparos que atingiram e mataram o entregador.

“Acreditamos que a conclusão da coleta de depoimentos de testemunhas possa ajudar na investigação e principalmente preservar a familia, que vem se sentindo ameaçada após a morte do Elias. Estamos acompanhando tanto a investigação da DH quando o inquérito interno feito pelo Batalhão de Niterói para conduta dos policiais envolvidos na ação. Seguiremos acompanhando e cobrando por justiça”, disse o secretário.

Já a presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara Municipal de Niterói, a vereadora Benny Briolly (PSOL), afirmou que casos como o de Elias escancaram uma política de segurança pública fracassada baseada em mortes e números.

"A morte do Elias foi mais uma evento brutal do genocídio do Estado Brasileiro contra o povo preto e favelado. Elias era um jovem, pai, trabalhador. Ele gritou que era morador antes de levar um tiro na cabeça. A forma cruel que a polícia entra nas favelas é absurdo. Enquanto presidente da Comissão de Direitos Humanos, seguiremos pressionando para que seja feita justiça . Nos colocamos à disposição da família e da favela na luta por reparação, justiça e para fazer cessar a violencia policial na nossa cidade", disse a vereadora Benny.

Horas após a morte de Elias, o prefeito de Niterói, Axel Grael (PDT), publicou uma mensagem nas redes sociais lamentando o caso que terminou com o falecimento do entregador.

“É inadmissível perder nossos jovens, moradores de comunidades, de uma maneira tão violenta, cujas circunstâncias precisam ser apuradas”, diz a publicação feita no perfil do prefeito no Twitter.

A versão da PM sobre o caso

A Polícia Militar afirmou, através de nota, que “equipes do 12° BPM (Niterói) foram atacadas enquanto realizavam um patrulhamento em uma das vias que dão acesso ao Morro do Palácio, no Ingá, zona sul de Niterói. A equipe abordava um suspeito quando foi atacada a tiros, gerando um confronto”.

Além disso, a corporação afirmou que “após estabilizar a situação, um homem foi encontrado baleado e foi socorrido ao Hospital Estadual Azevedo Lima (HEAL) e não resistiu. Ainda na ação, dois homens foram presos com uma pistola e entorpecentes.”

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